Por Carlos Eduardo Barbosa
A postura do camelo ou dromedário remete a uma localização geográfica na Índia, o Rajastão. Pouca gente sabe que o Rajastão foi um reduto da seita dos Nathas, aquela que criou e difundiu o Hatha Yoga. E mais do que apenas isso, sua capital, Jaipur, teria sido o local de nascimento de Matsyendranatha – que tem seu nome ligado ao reino védico dos Matsyas, cuja capital é, justamente, a atual cidade de Jaipur.
O nome ustra (camelo) aparece designando uma postura na Gheranda Samhita e em nenhum texto anterior a este. Costuma-se dizer que seu nome se deve ao formato assumido pelo corpo durante sua execução, que lembra a corcova daquele animal, mas isso parece pouco provável, considerando uma provável leitura tântrica da palavra: A raiz verbal "ush" que dá origem a esse nome significa "aquecer", e descreve o efeito do surgimento do Sol ao amanhecer (amanhecer é "usha"), semelhante à cor das brasas de uma fogueira. A deusa Usha é filha do Sol com a Noite – o que nos remete à imagem do deus Savita, que é o Sol quando está abaixo da linha do horizonte, à noite. A força inspiradora desse Sol antes do amanhecer (evocada, por exemplo, no mantra Gayatri) parece ser o verdadeiro foco do nome deste asana, no qual o formato do corpo também evoca o desenho da abóbada celestial noturna.
Um outro trajeto de interpretação nos leva ao verbo “uksh”, que significa “espargir” ou “gotejar”, que lembra a imagem da beberagem mística do Soma, que é espremido entre placas de couro e goteja num pote ritual. Aquele que bebe do Soma ganha inspiração poética e se torna capaz de ouvir a voz dos antepassados.
O gotejamento também está associado ao orvalho matutino, mas, sobretudo à fertilização dos rebanhos, razão pela qual a palavra ushta significa “touro” ou “macho reprodutor”. A crença frequente entre os agricultores hindus de que a fertilidade masculina está ligada à capacidade de retenção de líquidos no corpo, nos leva de volta ao camelo, que tem como principal característica justamente sua capacidade de reter e armazenar a água – justamente em sua corcova.
Portanto, seja para ser fértil no campo da criação artística, seja para assegurar a continuidade e o fortalecimento da família, faça a postura do camelo com muita convicção. Você certamente, além da fertilidade, estará ganhando a resistência e a tenacidade de um camelo para levar até o final, com sucesso, cada um de seus projetos pessoais.
Carlos Eduardo Gonzales Barbosa dá aulas de Sânscrito e de Culturas da Índia desde 1982 e desde 2004 tem foco no Sânscrito falado. Dedica-se ao estudo da tradição do Yoga, em especial dentro da perspectiva dos Nathas.
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