Yoga
Navaratri – as Nove Noites de Devi
Dentro do hinduísmo, o Divino é visto como o Todo, que inclui todas as formas, todo o Universo e todos os seres. Uma vez que tudo inclui, o Todo pode ser visto por detrás de qualquer objeto, situação ou criatura, e com isso podemos viver nossas vidas sem perder de vista a presença deste Divino.
Algumas formas são consideradas especiais, por evocarem mais facilmente a apreciação para com este Todo, além de transmitir o conhecimento da tradição por meio de símbolos. Tais formas são as Divindades, que representam aspectos do Todo como o Conhecimento, a Prosperidade, dentre outros. As divindades masculinas são chamadas Devas, e as femininas são chamadas Devis.
As Devis exaltam o Todo na forma de Shakti, o poder que existe inerente ao Universo, e que permite sua manifestação, manutenção e dissolução. Dentro do simbolismo hindu, Shakti é sempre associada ao feminino, sendo a beleza, a multiplicidade das cores e todas as capacidades.
Esta Shakti é vista como tendo três aspectos principais: o poder de conhecer, o poder de desejar e o poder de agir. Cada um deles é visto como uma Devi: Saraswati, Lakshmi e Durga, respectivamente, sendo as consortes de Brahmaa, o criador, Vishnu, o mantenedor, e Shiva, o destruidor do Universo.
No festival de Navaratri, Shakti é homenageada ao longo de nove noites (“nava-ratri”). Nele, uma das mais importantes histórias associadas a Shakti é lembrada, contando o surgimento de Durga. É dito que um terrível Asura (demônio) chamado Mahisha fez muitas disciplinas, e por conta disto obteve a bênção de Brahmaa, o criador. Mahisha pediu pela imortalidade. Contudo, Brahmaa negou seu desejo, já que tudo o que nasce necessariamente morre. Assim, Mahisha pediu para que só pudesse ser derrotado por uma mulher. Como ele considerava impossível ser vencido em batalha por uma mulher, para todos os efeitos ele estaria imortal.
Com esta grande bênção, Mahisha foi capaz de derrotar até mesmo os Devas, dominando todo o Universo e levando o caos a toda parte. Sem saber o que fazer, os Devas pediram auxílio a Brahmaa, Vishnu e Shiva. Ao ouvirem as atrocidades de Mahisha, todos ficaram muito raivosos, e da testa de cada um deles emanou uma luz, suas Shaktis, que se uniram em um único ponto no espaço, manifestando Devi em uma única forma com diversos braços, cada um portando a arma de um Deva, ela mesma montada em um leão.
Após ouvir o que os Devas tinham a dizer, o leão deu um imenso rugido, e Durga partiu para o encontro com Mahisha. Centenas de exércitos de asuras, após terem ouvido o rugido do leão de Durga, correram para ver qual a origem daquele estrondo, prontos para guerrear. Ao vê-los do alto de uma montanha, Durga deu uma gargalhada, e partiu contra os asuras. Milhares caíram mortos com o som de seu sino, outros milhares com a lâmina de sua espada, e outros ainda devorados por seu leão.
Tendo ouvido sobre o massacre que Durga fazia em seu exército, Mahisha enviou cada vez mais tropas, com seus melhores generais, todos derrotados pela Devi. Finalmente, o próprio Mahisha foi a seu encontro. Uma terrível batalha seguiu-se. O asura transformou-se diversas vezes em vários animais para atacar Durga, que rapidamente os decaptava. Contudo, cada vez que o asura perdia a cabeça, uma nova forma se manifestava da anterior, adiando o fim da batalha.
Finalmente, Mahisha assumiu a forma de um búfalo, indo de encontro a Durga, que fincou sua lança no coração do animal. Desta vez, contudo, Mahisha saiu de dentro do búfalo em sua forma original, e Durga pulou de seu leão, caindo sobre o asura e pisando em sua garganta, evitando que ele saísse por completo com sua nova forma. Enquanto Mahisha se debatia sob os pés da Devi, ela cortou sua cabeça, de forma definitiva, derrotando-o enfim.
Vendo tal derrota, os asuras restantes fugiram, escondendo-se nas profundezas da terra e do oceano. Todos os Devas cantaram em homenagem a Devi, lançando flores sobre ela, comemorando o fim de Mahisha e o restabelecimento da ordem no Universo.
Tal história representa a vitória do conhecimento sobre a ignorância, representada por Mahisa. Devi representa todas as tendências da mente que conduzem ao autoconhecimento, objetivo último dentro da tradição védica. A batalha entre Durga e Mahisha, portanto, representa o conflito que há nas mentes de todos, entre Dharma e Adharma, clareza e confusão, conhecimento e ignorância. A vitória, porém, será sempre do conhecimento, para aqueles comprometidos com uma vida de disciplina e valores, que é o estilo de vida de Yoga.
No festival de Navaratri os hindus celebram esta história, com todo o seu significado, pedindo à Devi que os abençoe com tudo o necessário para a aquisição do autoconhecimento. A história da vitória sobre Mahisha é contada, mantras são entoados, Pujas são celebradas e bhajans cantados. Nos três primeiros dias, Devi é lembrada como a própria Durga, a capacidade de ação, consorte de Shiva, para que todas as tendências negativas da mente sejam eliminadas. Nos próximos três dias, Devi é lembrada na forma de Lakshmi, toda a prosperidade, consorte de Vishnu, para que a mente seja enriquecida com clareza e discriminação, tornando-se terreno fértil para a aquisição do conhecimento. Nos últimos três dias, Devi é lembrada na forma de Saraswati, que é todo o conhecimento, esposa de Brahmaa, para que nos abençoe com o autoconhecimento.
Finalmente, após as nove noites, no décimo dia é feita uma grande cerimônia, consagrando a aquisição do autoconhecimento. Este dia é chamado Vijaya Dashami, o dia da vitória, quando Devi derrotou Mahisha, a ignorância, representando simbolicamente a aquisição do conhecimento à respeito deste que é o Eu. É dito que este é um ótimo dia para iniciar qualquer empreendimento, principalmente disciplinas para Devi, em qualquer uma de suas formas, e para refletir especialmente sobre o ensinamento que a tradição védica transmite: o de que já somos toda a plenitude que sempre buscamos, bastando apenas ter entendimento sobre isto; nós e Devi somos, de fato, o mesmo. Este é o maior ensinamento de Navaratri.
Patrick van Lammeren é professor de simbolismo védico e estudante de Vedanta desde 2004, e faz parte da equipe do Centro de Estudos Vidya Mandir, dirigido pela professora Gloria Arieira.
Contato:
[email protected]Vidya Mandir: www.vidyamandir.org.br
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