Yoga
OM
Por Patrick van Lammeren (Artigo publicado no livro Cânticos e Versos – Vidya Mandir)
De todos os mantras, Om é o mais importante. Um mantra é, literalmente, "aquilo que protege a mente". Uma vez cantados e repetidos, a mente é disciplinada e como consequência obtemos uma capacidade de observá-la, compreendendo como ela funciona, o que a faz reagir e como podemos fazer para lidar melhor com ela. O termo mantra é usado, rigorosamente, apenas para os versos dos Vedas, e tem sempre uma conotação devocional, descrevendo e elogiando este Todo que é Isvara, "aquele que tudo governa".
Por este motivo, os mantras também protegem, porque são um meio para enfraquecer nossos gostos e aversões; uma vez que entoamos os mantras não para satisfazer os desejos da mente, e sim nos relacionarmos com Isvara, aqueles gostos e aversões perdem aos poucos sua força, e as reações por não obter os objetos de desejo também diminuem. E desta forma, o ego, com todas as suas projeções, se dobra, nos permitindo questionar sobre a verdade de nós mesmos.
Além de tudo isso, os mantras são muito bem feitos, tendo sido recebidos pelos rsis (sábios) do passado e transmitidos oralmente até os dias de hoje. De modo a mantê-los intactos, os mantras devem ser cantados rigorosamente na métrica correta. Os efeitos de tais métricas são vários, que incluem uma absorção da mente no canto, contribuindo para uma mente meditativa. Os mantras, quando corretamente entoados, eliminam papam (demérito) e os obstáculos são dissolvidos, abrindo caminho para uma mente discriminativa e preparada para o autoconhecimento.
Om também é chamado pranava, e deriva da raiz av, “proteger”. Dentre todos os mantras, Om é aquele que mais protege. Todo mantra tem início com o Om; o próprio Veda tem como primeira sílaba o Om. Ele é considerado um bija mantra, ou seja, um mantra semente, guardando em potencial outros mantras. Por exemplo, o bija mantra gam está associado a Ganesha, e guarda seus mantras em potencial. Da mesma forma, o bija shrim, com Laksmi, e aim, com Sarasvati. Mas, dentre todos, o Om é o maior bija mantra. Ele guarda em potencial todo o Veda, com todos os seus mantras, e todo o conhecimento contido neles. É dito que o Om guarda todo o universo em potencial, sendo o primeiro som entoado por Brahma, o criador, no momento da manifestação do Universo.
Por ser o maior bija mantra, é dito que não se deve fazer japa, a repetição em múltiplos de 108, com o Om. A consequência é um enorme impulso pela renúncia de tudo. Uma vez que vivemos em um mundo onde temos nossas obrigações, não seria adequado tal impulso, e por este motivo, a repetição de Om é recomendada apenas para os renunciantes. Para todos os demais, é dito que se deve sempre repetir outro mantra que, naturalmente, incluirá o Om no início, como, por exemplo, Om namah sivaya.
Om é formado por três letras: A - U - M. Entretanto, quando unimos a letra A com a letra U, em sânscrito, ambas se fundem na letra O. Por este motivo, escrevemos e entoamos OM, e não AUM.
Estas três letras originais carregam todo o ensinamento contido nos Vedas. A primeira letra, A, representa o início, o ato de criar, e por isto está associada ao Brahma; a segunda letra, U, representa o meio, o ato de manter e sustentar, e por isto está associado ao Visnu; a terceira, M, representa o final, o ato de dissolver e destruir, estando associado ao Shiva. Desta forma, temos um primeiro significado do Om, representando Isvara na forma da conhecida Trimurti, a trindade hindu. A repetição do Om, então, representa o processo constante de manifestação e dissolução do universo.
A letra A é o som mais básico para começar a falar; representa o ato de abrir a boca, e por isto está associada ao início de qualquer palavra. O M representa o ato de fechar a boca, ao terminar de falar, e por isto está associado ao final de qualquer palavra. A letra U representa todas as outras letras existentes. Desta forma, Om inclui todas as palavras possíveis, que necessariamente começam com o abrir da boca e terminam com o fechar da boca. Porém, a tradição ensina que todos os objetos nada mais são que nomes e formas; desta maneira, todos os objetos estão inclusos no Om. E o que é o Universo senão todos os objetos, todos os nomes e formas? Assim, Om representa este Universo, o Todo, Isvara.
As três letras também significam os três gunas: sattva, rajas e tamas. O primeiro refere-se a conhecimento e discriminação; o segundo a ação e movimento; o terceiro a inércia e ignorância. A combinação destas três tendências constitui todo o Universo, com suas constantes modificações. Desta forma, o Om novamente representa este Isvara, na forma dos três gunas.
Complementando o significado, temos que A - U - M representam os três períodos de tempo – passado, presente e futuro; os três mundos – Bhuh, Bhuvah, Suvah; os três "corpos" de Isvara, que são o universo físico, o sutil e o causal. De fato, o número três surge constantemente dentro do simbolismo védico, se manifestando de forma grandiosa no Om. Todos estes significados nos remetem a Isvara, o Todo.
Porém, o Om também nos remete a Jiva, o indivíduo, que também é constituído dos três gunas; também tem três corpos, o grosso, o sutil e o causal; e que vive os três estados de experiência – acordado, sonhando e dormindo.
Qual a relação fundamental entre Jiva, o indivíduo, e Isvara, o Todo? Os Vedas nos oferecem o conhecimento sobre esta relação, que também é representado no Om. A - U - M são os três Vedas, Rg, Sama e Yajur, que contêm todo o conhecimento (Atharva, sendo um Veda um pouco diferente dos demais, tradicionalmente é omitido da lista simbólica). Também representam as três etapas do ensinamento – sravanam, o escutar as palavras dos Vedas a partir de um mestre versado; mananam, o questionar estas palavras de modo a eliminar todas as dúvidas, conduzindo a um entendimento claro; e nididhyasana, a contemplação daquilo que foi entendido, para que o conhecimento seja estabelecido na mente do estudante com firmeza. E, finalmente, representam o estudante (A), o guru (M) e a conexão entre ambos (U), que é o processo de ensinamento.
E no que consiste este conhecimento? Os Vedas ensinam que o indivíduo e o Todo são o mesmo. Como isto é possível? Na repetição do Om, o mantra surge, permanece um tempo e se dissolve. Depois, surge novamente, se mantém e se dissolve. Este ciclo, assim como a manifestação e dissolução do universo, é constante, não tendo início nem fim. Entretanto, o que existe entre duas repetições? Uma ausência do som?
Quando repito um mantra, este mantra é pensamento. No momento do pensamento, estou presente. Isto é claro, porque normalmente nos identificamos com nossa mente. Mas e entre as duas repetições? Neste momento só há silêncio. Nenhum pensamento está presente, mas ainda assim eu estou presente. Desta forma, concluímos facilmente que eu não sou pensamento, não sou a mente, uma vez que na ausência de pensamento eu ainda estou presente.
Se estou presente no momento do silêncio, então o silêncio não é uma mera ausência de pensamentos, mas sou eu mesmo. O silêncio é aquilo que é livre das formas, livre de limitação, livre de qualidades. Se antes de uma repetição há silêncio, e depois também há silêncio, o que me diz que durante a repetição não há silêncio? Se estou presente durante o silêncio, e sei que estou presente durante o pensamento, então estou presente todo o tempo.
Este silêncio, portanto, existe sempre, sendo eterno, sem início e sem fim; dele os pensamentos surgem, nele os pensamentos se dissolvem. Todo o universo é nome e forma, mas todo nome e forma é pensamento. Portanto, todo o universo surge do silêncio, e se dissolve no silêncio. Assim, este silêncio é a verdade de Isvara, o Todo, e a verdade de Jiva, o indivíduo. O conhecimento que os Vedas transmitem é que este Isvara e eu somos o mesmo, livre de limitação, eterno; Sat, Cit, Ananda – Existência, Consciência, Plenitude. Este Absoluto, chamado Brahman, é Om, e este Om sou eu.
Desta forma, Om carrega todo o conhecimento. Meditando sobre ele, o indivíduo é capaz de descobrir a verdade sobre si mesmo.
Om Tat Sat
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Patrick van Lammeren é professor de Vedanta, simbolismo védico e sânscrito, estudante de física pela UFF e estudante de Vedanta desde 2004, além de fazer parte da equipe do Centro de Estudos Vidya Mandir, dirigido pela professora Gloria Arieira.
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